Para sintetizar nossa posição e reflexão sobre o texto de Lêgerîn Azad1, devemos, de antemão, nos livrar de uma dicotomia, que é a dicotomia que poe, de um lado, os projetos que instrumentalizam um partido histórico usando a classe operária como sujeito (que é a forma mais comum de se organizar na esquerda) e, no lado oposto, o isolado sujeito que usa o “estilo de viver” pra, partindo do indivíduo, questionar e negar a sociedade e seus costumes.
Essa dicotomia pode ser útil em várias ocasiões: se vamos falar, por exemplo, dos homens cis acadêmicos e comunistas que encontram hegemonia estética com seus camaradas pela sua barba, seu coque samurai e sua camiseta da UJC, então a gente tem uma crítica válida; estamos criticando um grupo de pessoas que se propõe a mudar as estruturas sociais levando esse projeto de pretensa mudança social apenas como estilo de vida e não construindo nada concreto para mudar essas estruturas sociais. É como a crítica do Godard em La Chinoise, e esse é um ponto que deve ser debatido pelos comunistas se eles pretender superar esse problema.
Mas não podemos falar sobre indivíduos organizados e com o privilégio de se politizarem mais que a maioria das pessoas da mesma forma que falamos de grupos marginais que muitas vezes sequer escolheram ser anti-hegemônicos.
A forma não-hegemônica mais acessível que existe em comum nas subculturas é, provavelmente, o estilo de vida. Eu digo que é a que existe em comum no sentido de que existem casos onde a pessoa é não hegemônica independentemente da subcultura na qual ela se insere. Um punk se agrupa em uma forma de cultura e expressão anti-hegemonica e se torna parte disso, mas uma pessoa trans não escolhe ser anti-hegêmonica, e isso também pode fazer com que esses dois sujeitos hipotéticos se encontrem em denominadores comuns dos meios marginais, como o queercore e o punk trans.
Não podemos infantilizar os punks (ou qualquer outra subcultura) assumindo que eles sequer acham que vão fazer uma revolução ficando na rua com sua “banca” ou se organizando em gangue, eles estão nessa situação por marginalização, por ser a forma de lazer que eles tem acesso e por ser uma forma de pertencimento que eles só conseguem nesse meio, e isso vai muito além de eles terem qualquer pretensão revolucionária ou política.
E é aqui que a gente chega nos limites dessa dicotomia entre projetos de massa e indivíduos questionadores:
O que devemos fazer com a população marginalizada? Devemos assimilar todas minorias e toda diversidade em prol de um projeto comum?
E se vamos deixar de abordar “questões sensíveis” como a pauta lgbtqia+ para não afastar o operário médio possivelmente conservador, o que é que nós vamos fazer com as minorias? Nós vamos reproduzir a opressão em prol de hegemonia até a gente realizar o sonho de revolução e vamos simplesmente negligenciar as minorias oprimidas em nossos ambientes “revolucionários” durante esse processo?
Não. E é aqui que surgem as medidas descentralizadas de sobrevivência e insurreição como as okupas, coletivos e bancas.
Ao invés de pôr em risco a própria vida se organizando em entidades que preservam as hierarquias sociais que te oprimem, a gente sempre estará em menos risco quando nos organizamos de forma autonoma focando na nossa autodefesa enquanto minoria.
Por que me submeter a uma organização que não me acolhe quando eu posso me organizar com pessoas que vão me proteger e me entender de verdade?
Nós sequer somos contra as organizações de massas. Se o teu partido anarquista ou comunista consegue mobilizar parte significativa da classe operária, parabéns! E digo isso sem ironia alguma.
Não queremos substituir vocês ou disputar a consciência das massas.
Nossa existência não nos dá a escolha de lutar ou não, a gente só tá fazendo o que pode enquanto minoria pra não sermos esmagadas pela normalidade.
- O texto em questão se chama “1.2 – O problema das Contraculturas nos Movimentos Revolucionários” e foi escrito por Lêgerîn Azad. Escrevo este texto como uma colega de movimento — esse assunto é sempre abordado pela SHARP DF, então aproveito aqui não só para apontar minhas reflexões sobre o texto, mas também pra mandar meus beijos e abraços direto des SHARP de Porto Alegre! ↩︎